quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ensaio de uma investigação da supressão de momentos.

O que pretendo neste ensaio seria uma proposta de observação mais atenta ao que apresento como tema, ou seja, o momento ou ainda a supressão do mesmo induzido de forma muitas vezes alheia ao que vivencia ou não tal experiência. Tal possibilidade é o que propicia talvez um dos caminhos que possamos trilhar em busca de uma abrangência maior que nos permita um esclarecimento da meta a ser explorada.
Atualmente um fato que pode ser percebido através, principalmente, dos meios de comunicação, tais como cinema onde temos os filmes, novelas e até mesmo teatros em suas diversificações de peças, seria aquilo que denomino como, uma vez que necessário dado a sua própria limitação, a supressão de momentos que são desconsiderados como relevantes em prol de outros que por outro lado trazem como característica unificadora, certa denotação de objetividade prática, pronta e suficiente por si o que supõe certo padrão de normatização de uma descontinuidade a que se atribui uma sedutora e perigosa legitimação. Quanto à primeira há que se considerar a propensão de “salto de etapas” e sua motivação inerente, pois o tempo tornou-se muito importante tendo em vista sua própria ocupação em relação ao trabalho e o que está além deste e, portanto, muito propício o “ganhar tempo”. Acerca da segunda, o que temos é uma grande problemática quando tal suposição é assimilada ou interiorizada, pois, ao se promover determinados momentos e suprimir outros, corre-se o risco da desconsideração de um por - fazer , ou seja, aqueles momentos que antecedem outros e que são tão importantes quantos aos mesmos embora destituídos de uma característica de praticidade que poderia citar por exemplo como em um filme qualquer ou uma cena de novela ou teatro em que uma determinada situação está em foco, ou seja, um personagem sai de um lugar para chegar-se a um outro lugar ou ainda um determinado tempo em um instante e em outro instante outro tempo distinto do primeiro e a uma distância (desconsiderada) do mesmo, o que induz que o que há entre estes espaços suprimidos é irrelevante. Obviamente há quem diga que seria impossível descrever certa trajetória verossímil a um determinado ocorrido que se pretenda mostrar-se em um filme, teatro ou novela e que não haveria tempo para tais minúcias e que há de se eleger momentos de momentos para se contar algo, o que de pronto devo compactuar e aceitar como cabível tal argumento, porém, o problema que aponto seria uma interiorização de tal procedimento por aqueles que estão sujeitos a esta sutil proposta de uma estratificação de descontinuidade.
A descontinuidade ou aquilo que no início denominamos por supressão de momentos seria uma crença em um suposto “instantâneo”, ou seja, a possibilidade de um fato como algo destituído de uma seqüência ou elencado de um contexto de pormenores que como tais, destituídos de significação ou pelo menos em uma corda bamba de um subentender, vagam em uma atemporalidade. Ora como poderíamos pensar o que decorre ou ainda o que poderia decorrer de tal situação em que prevalece o instantâneo como crença?



Primeiramente proponho que observemos uma situação simples e peculiar, quiçá extravagante, porém, é o que posso por ora apresentar-vos e assim eis o que temos, imaginemos um sujeito que munido de um martelo acabou por dar sua décima sexta martelada em um prego que por sua vez fincou-se por inteiro em uma dada peça de madeira e ainda, suponhamos que desavisados da definição de tal número de marteladas suficientes ao propósito exposto, fôssemos tentados a elencar as três últimas marteladas como suficientes ao objetivo dado, ou seja, o prego fincado por inteiro à peça de madeira. Tal pressuposição assume uma diversidade conforme a olhemos, pois, se levarmos em consideração que foi suficiente para aquele restante que ainda havia por se fincar, assentiremos com tranqüila convicção que sim, estaria cabível em um contexto, por outro lado se considerarmos o prego por inteiro poderíamos estar convicto com uma negativa a tal pressuposto. No entanto, quanto à convicção positiva, seria possível que uma incerteza quanto ao comprimento do prego estivesse presente como dado subjacente a observação e tomássemos por real um comprimento suposto de modo que a possibilidade de tal convicção estivesse em uma condição razoável de aceita-la e assim justifica-se uma incerteza por uma certeza suspeita. Acerca da convicção negativa, temos como possibilidade uma certeza subjacente que acompanha a observação o que torna incabível a destituição de outras treze marteladas em prol de três que supostamente suficientes afastariam o bom senso de tal julgamento e que de maneira alguma seria razoável.
Talvez já tenhamos algum indício de por onde seguirmos tendo em vista alguns vislumbres que insistem em permanecerem como tais e assim sendo, mostrando-se apenas por entre possibilidades várias que se alternam em perspectivas fugazes difíceis de apreender, porém, sedutoras o suficiente por não deixar de persegui-las e, portanto continuemos por este caminho onde propomos responder uma dada questão, ou seja, determinar as conseqüências possíveis de um prevalecer de um instantâneo como crença, ora tal condição nos remete a situação proposta acerca do sujeito, o martelo, o prego, as marteladas, a peça de madeira, o objetivo de fincar o prego por inteiro na peça de madeira e as possíveis condições de observação de tal situação. Poderíamos inferir que a crença no instantâneo abriria um leque de possibilidades quanto a sua decorrência e tentaremos expor algumas delas dentro de uma perspectiva em analogia a situação referida acima e assim sendo, vamos a uma primeira condição onde tal crença estaria em posição de igualdade ao exemplo dado da convicção positiva onde tomássemos por real uma suposição, porém, mesmo que tal qualidade não ofereça qualquer garantia, o que se busca em última instância seria uma aproximação com o mesmo, isto é, o real e o que temos é o que poderíamos chamar como uma adequação de uma suposta realidade e o que há de se presumir é que um primeiro aspecto desta crença seria um instantâneo que aparece por parte percebida, porém destituída de suficiência real que a qualifica como tal e, portanto uma incompletude forçadamente transformada em uma completude aparente.




Poderíamos imaginar um filme qualquer onde em uma determinada cena, um personagem, aparentando certo ar de cansaço, abre a porta de uma casa e diz que está vindo de uma cidade que mal sabemos onde fica e tomamos parte do que vimos e somamos ao que supomos pelo que vimos e ouvimos e temos uma determinada distância hipotética descompromissada com uma certeza que nos garanta sua possibilidade e, portanto uma crença no instantâneo que por si torna irrelevante ou suprimidos momentos que o antecedem.
A segunda condição seria a que se caracteriza por negativa não apenas por negar tal pressuposição dada, porém, que nesta situação justifica-se por si própria e assim sendo vamos a ela, temos aqui a uma certeza subjacente que acompanha uma observação e o que decorre disto é uma supressão da certeza que seria um de seus aspectos o inverso da primeira condição, isto é, uma observação que forçadamente transforma uma completude em uma incompletude aparente. Ora, trazendo mais um exemplo com a finalidade de ilustrar nossa posição poderia citar um exemplo de uma novela qualquer onde em uma determinada cena, um personagem está em uma cidade qualquer como, por exemplo, o Rio de Janeiro e em um dado momento ele está em seu apartamento e diz estar indo para a cidade de Curitiba e daí a duas cenas em menos de dois minutos ele já está em Curitiba e dá-se a entender que viajou de carro, ora, sabemos que o tempo de viagem não é real, porém nos propomos a acreditar em um impossível no qual se caracteriza por supressão de momentos que se antecedem, ou seja, trocamos a certeza por uma incerteza ou ainda uma racionalidade por uma irracionalidade e temos mais uma condição desta crença no instantâneo.
Enfim, o que nos resta seria enfatizar o que e qual a importância do que se suprime, pois, ao se instaurar a crença no instantâneo, simultaneamente descarta-se a importância destes momentos que assim denominamos por sua característica, como um “por fazer”, ou seja, o que está em um estado de se compor ou ainda uma sucessão onde convergência e divergência alternam-se em momentos afins com uma neutralidade em aparências de indiferença e tédio, porém que não menos importante que a um estar presente e ainda até mesmo passível de observação. Um percurso qualquer ou uma espera forçada em uma fila, por exemplo, que nos envolva em um tempo considerável e que a ansiedade motivada por seu acerto junto a um objetivo determinado e ainda inflada por uma sutil crença em um instantâneo, talvez e muito provavelmente, nos faça suprimir tais momentos e junto aos quais também, oportunidades de reflexões que nos permitam estarmos presentes e dotados de um suficiente discernimento e principalmente quando expostos “necessariamente” a propostas onde sutis perspectivas nos acenem e nos convidem a ilhas paradisíacas e em muitas vezes nem mesmo paradisíacas, porém em nada mais que ilhas, pois, afinal como já bem dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade, “... as ilhas perdem os homens...”
Portanto creio ter apresentado alguns aspectos daquilo que assim entendo como um resultado de uma investigação da supressão de momentos.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A corrosão binária.

Proponho-me a uma breve exposição acerca de um dos possíveis aspectos daquilo que o filósofo Jacques Derrida, denominou como Desconstrução. Segundo o filósofo,  isto pelo qual se refere não seria uma desconstrução em um sentido de um desarranjo ou uma desordem apenas pela própria condição em que se aparenta apontar, porém, um desvelo ou uma observação apurada do que e como se estrutura como tal, ou seja, o objeto para onde está direcionada. Tal objeto seria a Metafísica, que segundo o autor em seu livro Gramatologia, que desde Platão a Hegel , tem se estruturado em dois pilares. A noção de verdade única, centro ou ainda um principio originário é o que está apontado como um destes pilares, que pela sua própria característica, quando inclui-se como tal, sempre exclui uma oposição e assim se estabelece em uma hierarquia que se expande e sutilmente adentra como possibilidade de parâmetros e critério de valores sociais. Derrida aponta para identidade vazia que sustenta tais estruturas ou ainda identidades que não são verificadas como tais e sim aceitas como verdades naturais. Uma destas denúncias é a da exteriorização da escrita como derivada da fala. Em sua obra A Farmácia de Platão o filósofo faz uma análise do livro Fedro de Platão onde a escrita ou escritura é apresentada por um deus egipcio e é colocada como o que é designado por Pharmakon,  que é simultaneamente remédio e veneno e de forma sutil apontada como distante do sentido que está mais próximo da fala, ou seja, o logos. Assim sendo, a escrita seria apenas uma exteriorização da fala que por sua vez é a impressão mais próxima do sentido dado pelo logos. Ora, como este sentido é explicitado para a fala? Poderíamos perguntar e não obstante é por onde Derrida conduz seu raciocínio fazendo todo um levantamento historiográfico de como se instala e se mantém tal ordem, passando por Aristóteles, Saussure,Strauss e uma interessante abordagem sobre um prisma da arte teatral de Antonir Artaud em seu teatro da crueldade e como se não bastasse, uma breve abordagem sob um ponto de vista da psicanálise de Freud*. Enfim, a fala e a escrita, o dentro e o fora, o que é o verdadeiro e o que isto designa ou se afirma sob seu oposto, ou seja, o que é falso. Isto nos remete a velha e ultrapassada lógica formal que não se adapta a complexidade das relações humanas. Não há um dentro e um fora, mas o que esta fora tambem está dentro e o que está dentro tambem esta fora é o que propõe Derrida com o que ele aponta como diferença, ou seja, grosso modo, não há necessáriamente um dentro porque este dentro pode vir pela referencia do que está fora, e este ou isto que está fora é o que está dentro interiorizado e neste movimento dinâmico, há que se buscar uma melhor compreensão do que ou para onde aponta aquilo que é designado por identidade, ou seja, que não se estrutura por uma igualdade, mas sim por uma diferença. O que o filósofo traz é uma designação temporária para a escrita como a arquiescrita ou a noção do rastro, aquilo que se inscreve e se apaga em um único gesto. Para tanto o autor vai buscar uma dinamização dos pontos conceituais fixos ou pretensamente fixos apontando um movimento que escapa e é fugidio. Aquilo que Platão busca compreender como espaço em sua obra Khora é a referencia de Derrida para apontar a identidade vazia daquilo que denominamos por espaço ou espaçamento.
Portanto o que temos e propomos como a corrosão binária seria um rompimento ou ainda, nos termos do filósofo, uma efração ou um arrombamento por entre as oposições criando um interstício que foge e que como tal , tambem é caracterizado como fenda que se mostra causando a indecidibilidade ao que se submete  a tal experiência.