quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A corrosão binária.

Proponho-me a uma breve exposição acerca de um dos possíveis aspectos daquilo que o filósofo Jacques Derrida, denominou como Desconstrução. Segundo o filósofo,  isto pelo qual se refere não seria uma desconstrução em um sentido de um desarranjo ou uma desordem apenas pela própria condição em que se aparenta apontar, porém, um desvelo ou uma observação apurada do que e como se estrutura como tal, ou seja, o objeto para onde está direcionada. Tal objeto seria a Metafísica, que segundo o autor em seu livro Gramatologia, que desde Platão a Hegel , tem se estruturado em dois pilares. A noção de verdade única, centro ou ainda um principio originário é o que está apontado como um destes pilares, que pela sua própria característica, quando inclui-se como tal, sempre exclui uma oposição e assim se estabelece em uma hierarquia que se expande e sutilmente adentra como possibilidade de parâmetros e critério de valores sociais. Derrida aponta para identidade vazia que sustenta tais estruturas ou ainda identidades que não são verificadas como tais e sim aceitas como verdades naturais. Uma destas denúncias é a da exteriorização da escrita como derivada da fala. Em sua obra A Farmácia de Platão o filósofo faz uma análise do livro Fedro de Platão onde a escrita ou escritura é apresentada por um deus egipcio e é colocada como o que é designado por Pharmakon,  que é simultaneamente remédio e veneno e de forma sutil apontada como distante do sentido que está mais próximo da fala, ou seja, o logos. Assim sendo, a escrita seria apenas uma exteriorização da fala que por sua vez é a impressão mais próxima do sentido dado pelo logos. Ora, como este sentido é explicitado para a fala? Poderíamos perguntar e não obstante é por onde Derrida conduz seu raciocínio fazendo todo um levantamento historiográfico de como se instala e se mantém tal ordem, passando por Aristóteles, Saussure,Strauss e uma interessante abordagem sobre um prisma da arte teatral de Antonir Artaud em seu teatro da crueldade e como se não bastasse, uma breve abordagem sob um ponto de vista da psicanálise de Freud*. Enfim, a fala e a escrita, o dentro e o fora, o que é o verdadeiro e o que isto designa ou se afirma sob seu oposto, ou seja, o que é falso. Isto nos remete a velha e ultrapassada lógica formal que não se adapta a complexidade das relações humanas. Não há um dentro e um fora, mas o que esta fora tambem está dentro e o que está dentro tambem esta fora é o que propõe Derrida com o que ele aponta como diferença, ou seja, grosso modo, não há necessáriamente um dentro porque este dentro pode vir pela referencia do que está fora, e este ou isto que está fora é o que está dentro interiorizado e neste movimento dinâmico, há que se buscar uma melhor compreensão do que ou para onde aponta aquilo que é designado por identidade, ou seja, que não se estrutura por uma igualdade, mas sim por uma diferença. O que o filósofo traz é uma designação temporária para a escrita como a arquiescrita ou a noção do rastro, aquilo que se inscreve e se apaga em um único gesto. Para tanto o autor vai buscar uma dinamização dos pontos conceituais fixos ou pretensamente fixos apontando um movimento que escapa e é fugidio. Aquilo que Platão busca compreender como espaço em sua obra Khora é a referencia de Derrida para apontar a identidade vazia daquilo que denominamos por espaço ou espaçamento.
Portanto o que temos e propomos como a corrosão binária seria um rompimento ou ainda, nos termos do filósofo, uma efração ou um arrombamento por entre as oposições criando um interstício que foge e que como tal , tambem é caracterizado como fenda que se mostra causando a indecidibilidade ao que se submete  a tal experiência. 

5 comentários:

  1. Meu querido amigo, como fico contente que finalmente tenha decidido compartilhar suas valiosas reflexões em um BLOG.

    Já sou seu seguidor e renovo minha condição de fã àsua maneira de pensar e se expressar.

    Lendo seu texto percebo também como vem ao encontro de minhas próprias reflexões sua maneira de pensar. Desde Nietzsche à Merleau-Ponty, essa indecibilidade ao que se submete a experiência e a percepção tem sido um dos grandes motes da minhas pesquisas.

    O binário que, desde sempre, se erigiu a ocidentalidade, fez com que o ser humano se visse fragmentado para melhor ser instrumento de uma sociedade dominada por poucos. Mesmo que os ideólogos dessa sociedade visse muito além do que ela se tornou, foram eles que deram a base para que ela fosse o que é.

    Não existe uma visão privilegiada, única, em que o objeto possa ser contemplado como ele realmente é. Não somos nem passivos do significado que o objeto possa nos dar, nem tampouco autônomos para significá-los além da relação carnal de comércio que temos com ele.

    Somos e existimos numa zona de troca em que nos significamos e significamos o mundo como objeto a partir da própria zona de troca. O problema todo se encontra no modelo pronto que herdamos e passamos a significar as coisas e a nós mesmos.

    A fala é o melhor sinal (ou signo) desse comércio orginário, mas a escrita se constitui na pretensão de omnipresença de algo que a própria fala nos rouba quando nos embrenhamos nessa condição original. A escrita é apenas um aspecto pretensioso dessa originalidade cujo significado se dá numa indistinção entre sujeito e objeto.

    Mesmo sendo uma exteriorização da fala, a escrita está muito distante do que a fala representa como indistinção. É essa indistinção que Merleau-Ponty procura como filósofo e que conclama que toda a filosofia procure.

    Aquilo que motiva a fala está álém, aquém e alheia ao binário sujeito-objeto. A fala traduz esse comércio indistinto; a própria encarnação do sujeito que se faz e significa o objeto a partir de seu próprio posicionamento "de-para". Ou seja, o sujeito se faz e constitui o objeto na fala. Não sabemos o que somos nem o que as coisas são antes de exteriorizarmos na fala aquela relação original indistinta entre nós e o mundo.

    A escrita é apenas mais uma exteriorização, ou seja, representa apenas uma camada mais distante desa relação.

    O que é o sujeito antes dessa relação? Talvez seja melhor evocar Lacan: é falta, carência...

    Vamos refletir sobre isso?

    Grande abraço meu grande amigo distante, mas tão próximo na saudade que causa.

    Gilberto

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  2. Meu querido Anderson, fico feliz pela partilha do blog. Como vc escreve bem! fico impressionada..a clareza...
    Estive em contato e tenho uma cópia de uma revista de estudos árabes que trouxe para um amigo que vc muito precisa olhar.
    Trata-se de análises acerca de Averróis, Avicena, em relação a Aristóteles, linguagem, interpretação, que percebe-se elemento imprescendível para suas pesquisas: a intencionalidade.
    Se tiver pressa, me mande um email, senão talvez quarta, esteja por aí.
    gde abraço,
    Simone

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  3. Ora, ora, muito bom, agradeço os comentários e reafirmo a condição de diálogo proposto com este blog. Façamos disto uma possibilidade de encontros onde o exercicio da filosofia esteja em necessário convite que se renova a cada instante. Vamos refletir sim meu caro amigo Gilberto e saiba que considero esta oportunidade como um privilégio. Obrigado pelos elogios minha cara Simone e mantenha-se e mantenha-me em contato...

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  4. Blz Anderson, enfim eu li. rs
    O pensamento dualista ainda é muito forte, particularmente em mim ainda é muito forte e estou tentando superá-lo, o pior é que estou lendo Martin Buber... Espero passar logo essa fase.
    De acordo com o que vc diz Derrida mostra a fraqueza da lógica platônica e propõe que se veja o grande espaço vazio que há entre as oposições.
    A nossa conversa de quinta-feira desencadeou vários pensamentos em mim e um deles foi o de que a necessidade de manter a hierarquia cria a necessidade de se estabelecer verdades. E mais, que a estrutura de poder de nossa sociedade, baseada nessa hierarquia, apenas subverte e substitui as verdades quando se há troca de poderes. O que teria mais força pra romper essa lógica de hierarquia? Infelizmente não sou muito otimista com essa resposta.
    Depois mando a minha reflexão.
    Abraço!

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  5. Obrigado Paulo por estar aqui, em rastro... Acredito que essa lógica da hierarquia tal qual como uma condição de processo, já vem sendo rompida. O fato de estarmos conjecturando acerca disto talvez já seja um indício. Esta lógica é uma reprodução sistemática adotada em prol de um regime direcionado ao fundamento (pretenso)último do consumo. A condição de ser uma reprodução, não insenta possibilidades de culpados e vítimas na medida em que se há pouco interesse a se investir nisto. Porém, a efração ou o arrombamento já se faz presente por entre o que constitui esta lógica, ou seja, o desvelo do fundamento do privilégio ao consumo que repousa na identidade suspeita do medo, que por sua vez não se constitui em sua possibilidade racional, é um fato ou talvez um aspecto deste fato. Milton Santos, o geógrafo, no documentário Globalização vista do lado de cá, de 2006, aponta para este arrobamento que se manifesta por entre a possibilidade última deste fenômeno imposto em sua dualidade, ou seja, esta lógica do dominante para o dominado e propõe uma nova face possível a ser desvelada que se manifesta ou pelo menos dá os seus primeiros sinais. A Globalização análoga ao sr (deste jeito proposto) ou não ser. Há possibilidades entre este ser e não ser (deste jeito) e isto já está acontecendo, gostemos ou não disto.
    Abraço.

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